sábado, 29 de outubro de 2011

O Balão Branco (Le Balon Blanc)



O cinema iraniano tem algumas pérolas e O Balão Branco é uma delas.
Quando comecei a estudar teatro, há uns '200 anos atrás', algum professor enfatizou a importância de uma história bem contada. E isso é verdade. Penso nos remotos tempos das cavernas em que histórias eram contadas à luz da fogueira e imagino as sombras do contador sendo impressas nas paredes da caverna, oferecendo aos outros um verdadeiro e bruxuleante show de som e imagens.
Não sei se isso está em nosso DNA ou se por herança cultural ficamos necessitados de histórias. Mas sei que a do Balão Branco é simples e muito bem contada, humanizada, sem apelação nem efeitos especiais, a câmera 'dentro' da cena, perto dos personagens. Isso nos transporta para uma nova realidade.
A concepção de direção, junto com os atores, têm que se propor a isso, porque tal efeito não acontece por acaso. E o diretor Jafar Panahi consegue! Isso é cinema. Bem diferente dos filmes 'explosivos' que não nos transformam e muito menos acrescentam algo à nossa alma.
Jafar foi condenado, em fins de 2010, pelo autoritário governo iraniano, a 6 anos de prisão e 20 anos sem poder filmar e nem dar entrevistas, por iniciar novo filme em que denunciava o polêmica reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, mas, segundo consta, ainda está em liberdade.
A trama de O Balão Branco se desenrola durante as festividades do Ano Novo persa, quando a personagem principal, a menina Razieh (Aida Mohammadkhani), decide comprar um novo peixinho dourado, maior e mais bonito do que os que tem em casa. Para tentar realizar esta empreitada, ela acaba tendo que vencer obstáculos que se colocam diante de uma criança no 'mundo dos adultos'. Situações inusitadas e interessantes marcam este filme comovente, que arrebatou em 1995 o Prêmio Camera d'Or no Festival de Cannes.
Em cinema, às vezes fazer o simples é que é difícil.
Por isso, hoje falarei pouco: Recomendo.


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Sin City



'Tem filmes que a gente assiste num dia e acha uma coisa, depois vê o filme de novo num outro dia e acha outra coisa.'
Pra mim Sin City foi assim. Gostei muito da primeira vez e da segunda já não gostei tanto.
Por que isso acontece? Lembrando de alguns filósofos, seria porque 'nunca entramos num mesmo rio duas vezes'? (O rio muda, nós mudamos também...)
Pode ser.
Da primeira vez assisti no cinema, da segunda em DVD ... e tem filmes que ficam melhor na tela grande e outros não...
Pode ser também.
Vamos aos fatos.
Sin City (A Cidade do Pecado) foi lançado 2005 com elementos importantes:
Baseado na obra homônima em HQ (História em Quadrinhos) de Frank Miller, cuja publicação na década de 90 seguiu a estética de filmes noir, tendo sido dividida em 13 histórias ambientadas na cidade fictícia de Basin City, com personagens recorrentes e entrelaçados.
A princípio Frank Miller não queria ver Sin City nas telas de cinema por conta de uma ideia anterior mal sucedida (Robocop II), porém, o diretor Robert Rodriguez havia feito um curta-metragem de uma das historias de Frank Miller ('The Costomer Is Always Right' - 'O Cliente Tem Sempre Razão') e o resultado foi tão bom que impressionou o autor e alguns atores, que aderiram ao projeto.

O elenco é um item a parte: Benício Del Toro, Jessica Alba, Bruce Willis, Rutger Hauer, Mickey Rourke, Elijah Wood, Brittany Murphy, Clive Owen e outros menos famosos mas nem por isso piores. O próprio Frank Miller participou como ator, além de Tarantino e Rodriguez com pequenas participações.
Outra curiosodade aconteceu quando o diretor Robert Rodriguez quis colocar o autor como diretor também, pelo simples fato de considerar que a estética criada por Frank Miller nas histórias em quadrinhos serviu como base para a concepção de direção. Parece que o sindicato americano não aceitou esta 'novidade'.
Quentin Tarantino dirigiu uma das histórias do filme e aparece nos créditos como 'Diretor Especial Convidado'.
A direção do filme é precisa e a adaptação do clima e da fotografia HQ é perfeita.
Os atores dão um show, sendo que Mickey Rourke no papel de Marv realmente impressiona.

A riqueza das cenas em preto-e-branco com alguns detalhes coloridos cativam até quem não é aficcionado por este estilo.
O filme foi quase todo produzido em chroma key e os cenários e detalhes de cores adicionados digitalmente, com qualidade absurda.
Se está tudo tão bom, por que não gostei tanto assim de rever?
Acho que foi o lado violento e sombrio das histórias de Frank Miller, em um dia em que eu queria ver mais paz e beleza - o que certamente não tira o brilho desta produção.
Mas eu recomendo e vou assistir de novo para ver o que eu acho desta vez.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Powaqqatsi

Já disseram que um bom documentário parece ficção e que uma boa ficção parece documentário.
Às vezes isso acontece, mas não é uma regra.
Vamos falar hoje de Powaqqatsi, um filme bem diferente do comentado anteriormente (O Homem do Futuro).
Trata-se de um documentário, nem um pouco comercial, sem atores famosos, e não é um lançamento.
Powaqqatsi (Vida em Transformação) é uma produção americana de 1988 da mesma Golan-Globus que produziu filmes horríveis, inclusive os do Chuck Norris...
Vamos pular esta parte.
Até porque a produção do filme foi assinada por Francis Ford Coppola.
Pra começar seria bom dizer que deveríamos assistir mais documentários, nem que fosse para criar em nossa cultura cinematográfica, e em nosso ser, um maior equilíbrio entre realidade e ficção. Bobagem?
A nossa dose diária de ficção é enorme: novelas, filmes, propagandas, músicas, capas de revista, etc.
E a nossa dose diária de realidade vem quase sempre empobrecida e filtrada pelos noticiários de todos os tipos.
Aí, quando vemos mesmo a realidade não a entendemos, não interagimos, não a transformamos porque nossos olhos já não estão mais habituados a enxergá-la. Precisamos de um narrador, locutor, interlocutor, intérprete, tradutor ou âncora para decodificar, à sua maneira, um misterioso mundo da realidade, algumas vezes manipulada, inconsistente ou virtualizada. E nós mesmos é que abrimos mão deste poder há muito tempo, por comodidade, descaso ou preguiça, e isso virou hábito.
Mas não custa reagir, ver, pensar, questionar.
Não vamos mudar o mundo mas podemos pelo menos de vez em quando tentar vê-lo de verdade, como ele é.
Os bons documentários servem também para isso.
E neste aspecto Powaqqatsi é mestre.
Confesso que nas duas ou três primeiras vezes que tentei assisti-lo, em casa, tarde da noite, senti sono, principalmente no início, mas depois ele se tornou um dos meus preferidos, com o desfilar de imagens impressionantes de gente e lugares de vários cantos do mundo, em atividade, em movimento, com a brilhante trilha sonora de Philip Glass.
Este filme é o segundo da trilogia qatsi (koyanisqatsi e naqoyaqatsi) do diretor Godfrey Reggio, e nos impele ao exercício da percepção.
Sem o tradicional e batido recurso do narrador, a sucessão de imagens é que conta a história causando um distanciamento quase antropológico para que possamos ver as sociedades, neste caso as mais rudimentares, se debatendo em um mundo em constante transformação.
E aí podemos lançar também um olhar crítico e observador sobre nós mesmos e sobre o nosso tempo.
Viu? Nem doeu.
Recomendo para assistir e para ter em casa para de vez em quando assistir de novo.

Nos vemos na próxima sessão.